Dizem que a noite fica mais escura pouco antes do amanhecer. Se assim for, estamos de fato na véspera, por mais escuro que seja.
Também estamos na Itália às vésperas de uma terceira vaga, como já no Reino Unido e na Alemanha. Duas outras variantes contagiosas do SARS-CoV-2 do Reino Unido e da África do Sul piorarão as coisas antes que a vacinação em massa (misturada com MRNA e vacinas tradicionais) as melhore.
Mas, se, como mencionado, a escuridão antecipa o amanhecer, tentemos imaginar a plena luz do dia que está por vir. Não apenas os primeiros raios: até o sol intenso do meio-dia.

A derrota do Covid pode ser apenas o começo. É concebível que as mesmas armas usadas para derrotar o Covid-19, as vacinas de mRNA, também possam derrotar os assassinos mais cruéis. Até o câncer, que mata quase 10 milhões de pessoas por ano.
Vacinas MRNA: nascidas ontem, usadas hoje
As vacinas Covid mais promissoras usam ácidos nucléicos chamados RNA mensageiro ou mRNA. Atualmente temos dois: um da empresa alemã BionTech SE e sua parceira americana Pfizer Inc. A outra é da empresa americana Moderno. Entre outras vacinas de mRNA no horizonte está outra alemã, a CureVac NV.
Ao contrário das vacinas de mRNA, as comuns tendem a ser vírus inativados ou enfraquecidos que, quando injetados no corpo, estimulam uma resposta imune que pode posteriormente proteger contra o patógeno vivo.
Mas o processo de fabricação dessas vacinas requer vários produtos químicos e culturas de células - isso é demorado e apresenta riscos de contaminação.
As vacinas MRNA não apresentam esses problemas. Eles instruem o corpo a produzir as proteínas agressoras, neste caso as que envolvem o RNA viral do SARS-CoV-2. O sistema imunológico então depende desses antígenos, exercitando-se no dia em que as mesmas proteínas aparecerem com o coronavírus “nas costas”.
Aqui está a maior promessa do mRNA: ele pode dizer às nossas células para produzir qualquer proteína que quisermos. Também antígenos de muitas outras doenças além do Covid-19.
Como funcionam as vacinas de mRNA
Em sua função diária, o mRNA recebe instruções de seu primo molecular, o DNA nos núcleos de nossas células. Traços do genoma são copiados, que o mRNA carrega para o citoplasma, onde pequenas fábricas de células chamadas ribossomos usam as informações para produzir proteínas.
A BioNTech e a Moderna encurtaram esse processo, pulando toda a coisa complicada no núcleo com o DNA. Em vez disso, eles primeiro descobrem qual proteína querem, depois examinam a sequência de aminoácidos que essa proteína produz. Disto derivam as instruções precisas que o mRNA deve dar.
Um processo que pode ser relativamente rápido, por isso demorou menos de um ano para produzir as vacinas, uma taxa até então inimaginável.
Também é geneticamente seguro: o mRNA não pode voltar ao núcleo e inserir genes acidentalmente em nosso DNA.
Uma arma contra todos os "bandidos"?
Os pesquisadores sentem há quase 50 anos que será possível usar essa técnica para combater todos os tipos de doenças. Como é comum na ciência, é preciso muito dinheiro, tempo e paciência para resolver todos os problemas intermediários.
Após uma década de entusiasmo inicial, o mRNA tornou-se academicamente desatualizado na década de 90. O progresso parecia ter parado. O principal obstáculo era que as vacinas de mRNA testadas em animais geralmente causavam inflamação fatal.

Katalin Kariko, a cientista húngara que emigrou para os EUA na década de 80 e agora está concorrendo ao Prêmio Nobel, dedicou toda a sua carreira ao mRNA, com altos e baixos. Na década de 90, perdeu seus fundos, foi rebaixado, sofreu um corte salarial e outros contratempos.
Mas ele permaneceu de pé. E então, depois de lutar contra o câncer, ela fez o ponto de viragem.
Câncer na mira
Nos anos 2000, Katalin Kariko e seu parceiro de pesquisa perceberam que a substituição da uridina, uma das "letras" do mRNA, evitava causar inflamação e não comprometia o código genético. Os ratos permaneceram vivos.
O estudo de Dr. foi lido por um cientista da Universidade de Stanford, Derrick Rossi, que mais tarde foi cofundador da Moderna. O mesmo estudo também serviu de inspiração para Ugur Sahin e Ozlem Tureci, os dois oncologistas marido e mulher e cofundadores da BioNTech. Este último licenciou a tecnologia de Katalin Kariko e também a contratou. Não para combater a pandemia, que não existia na época. Eles a contrataram para lutar contra o câncer.
Um dia as armas atuais contra o câncer parecerão uma ideia primitiva.

Bombardear um tumor com produtos químicos ou radiação também danifica outros tecidos. Isso nos fará lembrar os dentistas do Far West, que extraíam dentes sem anestesia, ou no máximo dando ao paciente um copo de uísque.
A melhor maneira de lutar contra o câncer, Sahin e Tureci perceberam, é tratar cada tumor como geneticamente único e treinar o sistema imunológico de cada paciente contra aquele inimigo específico. Um trabalho perfeito para vacinas de mRNA.
Encontre o antígeno, obtenha sua impressão digital, decodifique as instruções celulares para atingir o culpado e deixe o corpo fazer o resto.
Um olhar sobre as agendas de trabalho da Moderna e da BioNTech? Eles incluem testes de medicamentos para tratar câncer de mama, próstata, pele, pâncreas, cérebro, pulmões e outros tecidos, bem como vacinas de mRNA contra tudo, desde influenza até zika e raiva.
As perspectivas parecem boas.

O progresso, é verdade, tem sido lento. Parte da explicação que Sahin e Tureci dão é que os investidores nesse setor precisam colocar grandes somas de capital e depois esperar mais de uma década: primeiro para pesquisa, depois para aprovações regulatórias.
A Covid poderia acelerar todos esses processos. A pandemia levou à grande estreia das vacinas de mRNA e sua prova definitiva de conceito (o que corresponde quase à mesma experimentação in vivo). A partir de agora, o mRNA não terá problemas para obter dinheiro, atenção ou entusiasmo de investidores, reguladores e formuladores de políticas.
Isso obviamente não significa que a última milha de vacinas de mRNA será fácil.