Vivemos em uma época que celebra a autossuficiência. A sociedade individualista nos deu liberdade de escolha, infinitas possibilidades e espaços privados cada vez mais confortáveis. No entanto, hoje, mais do que nunca, sentimo-nos sozinhos: o tempo passado com os outros está a diminuir, as amizades estão a tornar-se mais raras e as interações ocorrem cada vez mais através de um ecrã.
A questão é inevitável: somos realmente mais independentes ou estamos apenas abdicando da nossa humanidade?
A ilusão individualista de independência
Durante o século XX, o Ocidente passou por uma transformação radical. Uma transformação que parece ter atingido hoje a sua fase crucial, no primeiro quartel do novo século. Talvez pela primeira vez na história da humanidade, a sociabilidade já não é uma necessidade, mas uma opção.
O indivíduo moderno tem liberdade para trabalhar em casa, pedir comida com um clique, se divertir sem sair. O que outrora teria sido considerado uma condição de isolamento é hoje um modelo de vida aceite, até desejado por alguns.
Um mundo de indivíduos, não de comunidades
Mas esta aparente independência traz consigo um custo invisível. A conexão digital não substitui o contato humano, e o tempo que passamos sozinhos aumenta sem que percebamos.

O paradoxo é evidente: a tecnologia nos oferece ferramentas para estarmos constantemente conectados, mas a profundidade das relações físicas (também sentimental) enfraquece e se torna um problema social. Global, acrescento: o Reino Unido tem agora
um ministro da solidão .
assim como o Japão.
A vanguarda desta transfiguração, porém, não é a terra do Sol Nascente como se poderia pensar. São precisamente os Estados Unidos, o berço (paradigma) do estilo de vida ocidental moderno. Há uma análise sociológica extraordinária que lhe imploro que leia, se tiver tempo: é esta peça incrível no The Atlantic, assinado por Derek Thompson. Faz você entender com ferocidade lúcida para onde estamos indo.
A privatização da vida social
As cidades, outrora concebidas para encorajar o encontro, estão a tornar-se espaços de passagem, em vez de agregação. O declínio dos locais públicos como bibliotecas, praças e clubes tornou a vida social cada vez mais doméstica. Não se trata apenas de preferências pessoais, mas de uma profunda mudança cultural, amplificada pelo progresso tecnológico e pelos novos modelos de habitação.
Paralelamente, o entretenimento tornou-se cada vez mais individualizado. Se na década de 50 até assistir televisão era uma experiência coletiva, hoje o streaming tornou cada visualização (mesmo a das obras cinematográficas mais sofisticadas) um assunto privado. Se antes o bar era um ponto de encontro diário, hoje muitas vezes é apenas um ponto de passagem (ou de recolha para encomendas de take-away). O resultado? Um mundo em que a interação social é progressivamente substituída pelo conforto do isolamento.
Na sociedade individualista, a solidão é normal
Para muitas pessoas, estar sozinho não é mais uma condição temporária, mas um modo de vida. Estudos mostram que as gerações mais jovens passam menos tempo com os amigos, saem menos e muitas vezes encontram alívio quando os planos sociais são cancelados. O crescimento da ansiedade social e o cansaço emocional da interação física estão tornando cada vez mais difíceis os relacionamentos com outras pessoas.
Obviamente, apesar desta tendência, a solidão não é sinónimo de bem-estar. Estudos mostram que passar mais tempo com outras pessoas leva a níveis mais elevados de felicidade e satisfação. Mas o problema não é apenas psicológico: o declínio da sociabilidade está a mudar a forma como vemos a realidade, influenciando o nosso comportamento público (incluindo a nossa relação com a política) e a nossa capacidade de dialogar com os outros.
O eco das bolhas digitais
O individualista moderno não só apresenta diferenças estruturais nas escolhas cotidianas, mas também na forma como interage com o mundo. O debate público fragmentou-se em bolhas digitais onde todos se rodeiam apenas de opiniões semelhantes às suas. O confronto real, o que acontecia nas ruas e nos mercados, foi substituído por feeds personalizados e discussões filtradas por algoritmos. Alguém conseguiu com algoritmos fazer o que as piores ditaduras não conseguiram fazer: fragmentar a sociedade em mil células individuais nas quais todos estão presos e isolados dos outros.
A solidão autoimposta pode ser o fato social mais importante do século 21
A consequência é um mundo mais polarizado, onde a empatia pelos outros caminha para zero e o compromisso se torna cada vez mais difícil. Quando o único espaço de interação é um ambiente virtual pensado para confirmar nossas ideias, a diversidade de pensamento torna-se a exceção e não a regra.

Como você (re)constrói uma nova sociabilidade?
Se a sociedade individualista trouxe isolamento e fragmentação, a “resposta” só pode materializar-se num movimento inverso. O aumento de cafés-livrarias, clubes de leitura, cafés com jogos de tabuleiro e iniciativas livres de smartphones poderá convencer muitas pessoas a recuperar espaços sociais.
Talvez o verdadeiro desafio do século XXI não seja escolher entre a solidão e a comunidade, mas sim encontrar um equilíbrio entre a liberdade individual e a ligação humana. Porque, em última análise, a sociabilidade não é apenas uma experiência, mas uma necessidade fundamental.
E mesmo num mundo hiperconectado, nada poderá substituir o calor de uma reunião real por muito tempo.