Nós existimos por causa de um erro. Ou melhor, por uma pequena imperfeição. Não é poético pensar que tudo o que conhecemos (de estrelas a montanhas, de cachorros a sanduíches de presunto) está aqui porque algo entre matéria e antimatéria não funcionou como esperado? Mas é exatamente isso que os cientistas da CERN eles estão tentando nos provar, com uma obstinação quase tocante.
O último capítulo desta pesquisa vem de La Thuile, no belo Vale de Aosta, Itália, onde os físicos anunciaram que finalmente observaram uma assimetria sutil, mas significativa, no comportamento de partículas chamadas beleza-lambda barions e seus gêmeos de antimatéria. Uma pequena diferença que poderia explicar um dos maiores mistérios do universo: por que estamos aqui, e não por que não estamos aqui.
O Mistério da “Complicada Relação” Entre Matéria e Antimatéria
De acordo com tudo o que sabemos sobre física, o Big Bang deveria ter produzido matéria e antimatéria em quantidades exatamente iguais. Uma bela festa de abertura do universo com números iguais de convidados para ambas as facções, por assim dizer. No entanto, olhe ao seu redor: a antimatéria praticamente “desapareceu”, enquanto a matéria formou tudo o que vemos hoje. De galáxias a planetas, do café da manhã a gatinhos na web, tudo é feito de matéria.
Gosto de pensar nessa situação como uma eleição cósmica em que um candidato venceu com 100% dos votos. Um resultado que levantaria muitas sobrancelhas entre os observadores internacionais, você não acha? A natureza, evidentemente, não é uma grande democrata.
Quando as partículas quebram o espelho
A explicação para essa aparente injustiça cósmica pode estar em algo chamado “violação de CP”. Imagine um universo perfeitamente simétrico, onde cada partícula tem uma antipartícula gêmea com características exatamente opostas. Se você olhasse através de um espelho e invertesse todas as cargas elétricas, as leis da física pareceriam exatamente as mesmas. É o que os físicos chamam de “simetria CP”.
Mas a natureza, com sua tendência típica de arruinar belas teorias, decidiu que essa simetria não é sagrada. Partículas e antipartículas não se comportam exatamente da mesma forma, e essa pequena diferença pode ter inclinado a balança a favor da matéria nos primeiros momentos após o Big Bang.
Antimatéria, até onde sabemos, nada mais é do que matéria com um sinal de menos na frente. Como aquele parente que sempre faz o oposto do que você manda, por princípio. Fascinante na teoria, mas bastante desconfortável de se ter por perto, especialmente se você se importa com sua integridade molecular.

O avanço nos bárions lambda de beleza
Até agora, a violação de CP só havia sido observada em mésons, partículas compostas de um quark e um antiquark. Vincenzo Vagnoni, porta-voz doExperimento LHCb realizado em 24 de março, explica por que demorou tanto tempo para observar o mesmo fenômeno em bárions:
“A razão pela qual levou mais tempo para observar a violação de CP em bárions do que em mésons é devido à magnitude do efeito e aos dados disponíveis. Precisávamos de uma máquina como o LHC capaz de produzir números suficientemente grandes de bárions lambda-beauty e suas contrapartes de antimatéria.”
Il lambda de fundo bariônico (também chamado de “beleza”) É como um primo mais pesado e de vida curta dos prótons e nêutrons que compõem os átomos. É composto por um quark up, um quark down e um quark beauty. Eu sei, os físicos de partículas não são conhecidos por seus nomes originais, mas eles compensam isso com precisão matemática.
Sabe quando você conta meticulosamente seus recibos para descobrir para onde foi seu dinheiro no final do mês? Aqui, os físicos da CERN eles fizeram algo semelhante, mas com partículas subatômicas. Eles analisaram enormes quantidades de dados coletados pelo detector LHCb durante a primeira e a segunda rodadas do LHC (de 2009 a 2013 e de 2015 a 2018), procurando diferenças em como os bárions lambda-beauty e seus gêmeos de antimatéria decaem em partículas mais leves.
Os números que mudam tudo na dança entre matéria e antimatéria
A descoberta é sutil, mas significativa: a diferença entre o número de decaimentos Λb e anti-Λb, dividida pela soma dos dois, difere de zero em 2,45%, com uma incerteza de cerca de 0,47%. Estatisticamente falando, o resultado difere de zero de 5,2 desvios padrão, excedendo o limite necessário para afirmar a existência de violação de CP nesta decadência bariônica.
Para os não iniciados, é como perceber que em um baralho de cartas perfeitamente embaralhado, as cartas vermelhas saem levemente mais frequentemente do que os pretos. Uma diferença tão pequena que você pode não notar em uma noite de pôquer, mas ela se torna aparente se você jogar mãos suficientes. E quando se trata do universo, até a menor assimetria pode ter consequências enormes quando multiplicada por bilhões de anos.
Gosto de imaginar o universo primitivo como um gigantesco salão de baile cósmico, onde partículas e antipartículas dançam freneticamente, aniquilando umas às outras quando se encontram. Se a dança fosse perfeitamente simétrica, não sobraria ninguém na pista de dança no final. Mas essa pequena imperfeição na coreografia deixou alguns dançarinos sem parceiros, formando tudo o que vemos hoje. Um infortúnio providencial.
Além do Modelo Padrão com Matéria e Antimatéria
O mais intrigante é que mesmo essa violação de CP, embora confirmada, não é suficiente para explicar por que o universo contém tanta matéria e tão pouca antimatéria. O Modelo Padrão da Física de Partículas, nossa melhor tentativa de descrever como o universo funciona no nível subatômico, prevê uma violação de CP muito pequena para explicar a assimetria observada.
Isso sugere que pode haver novas fontes de violação de CP além daquelas previstas pelo Modelo Padrão, cuja busca é uma parte importante do programa de física do LHC e continuará em seus “sucessores”.
Joaquim Mnich, Diretor de Pesquisa e Computação do CERN, comenta:
“Eu parabenizo a colaboração do LHCb por este resultado emocionante. Ele mais uma vez destaca o potencial científico do LHC e seus experimentos, e fornece uma nova ferramenta com a qual explorar a assimetria matéria-antimatéria no Universo.”
Partículas elementares, a caça continua
A pesquisa, como você deve ter entendido, está longe de terminar. Os cientistas continuarão buscando mais evidências de violação de CP em outros sistemas de partículas, na esperança de construir uma imagem mais completa de como a assimetria entre matéria e antimatéria moldou o universo.
Gosto de pensar que finalmente estamos começando a entender por que existimos, em vez de não existirmos. Isso não é pouca coisa, considerando que a maioria de nós passa mais tempo se preocupando com a última atualização do smartphone do que refletindo sobre a sorte que temos de existir.
Porque sim, podemos nos contentar em saber que existimos graças a um erro. Mas que erro magnífico foi esse. Sem ela, não estaríamos aqui contando a história. E alguns dos comentários nas redes sociais nem existiriam, o que, pensando bem, talvez não fosse uma perda tão grande.