Estamos em 2025 e a ciência continua a revelar segredos surpreendentes sobre o vínculo materno. A gravidez não é apenas um período de nove meses, mas um evento que deixa marcas permanentes. As células do bebê, migrando pela placenta desde as primeiras semanas, instalam-se nos tecidos da mãe, do cérebro ao coração, criando o que os cientistas chamam microquimerismo fetal. Pense nisso: partes físicas de cada criança continuam vivas em você, mesmo décadas após o nascimento.
Amy Boddy da Universidade da Califórnia está estudando como essas células podem até proteger a mãe de certas doenças. Não é apenas o amor que une uma mãe ao seu filho, é uma profunda conexão biológica que só agora estamos começando a entender.
Vínculo Materno, o Milagre do Microquimerismo
Na mitologia grega, a Quimera era uma criatura com corpo e cabeça de leão, uma segunda cabeça de bode nas costas e uma cauda de cobra: diferentes animais misturados em um único corpo, algo tão absurdo que se tornou sinônimo de impossível. Mas a realidade muitas vezes supera a fantasia: realmente existe uma forma de “quimerismo” no corpo humano, especificamente nas mães. Durante a gravidez, através da placenta, um pequeno número de células do bebê entra na corrente sanguínea da mãe, instalando-se nos tecidos.
A troca celular é bidirecional: o feto recebe células da mãe (microquimerismo materno) e a mãe recebe células do feto (microquimerismo fetal). Este fluxo também é assimétrico, com um número maior de células fetais transferidas para a mãe. A troca começa já na quarta ou quinta semana de gravidez, quando muitas vezes a mulher nem sabe que está grávida. A verdadeira “tatuagem” de cada gravidez é invisível aos olhos, mas extremamente poderosa em nível biológico.
Essas células vivem por anos
O que torna esse fenômeno ainda mais extraordinário é sua duração: as células fetais não desaparecem após o nascimento. Segundo vários estudos, pode permanecer no corpo da mãe por décadas, mesmo até 27 anos após o nascimento.
Essas células foram encontradas em vários órgãos maternos: pulmões, baço, fígado, coração, rins e até mesmo no cérebro.
Quando o sistema imunológico da mãe, após o nascimento, se "limpa" de células consideradas estranhas, algumas dessas células fetais conseguem escapar e se integrar aos tecidos maternos. Eles são pluripotentes, ou seja, capazes de se transformar em vários tipos de células, e essa mesma característica permite que elas se camufle e se tornem parte integrante dos órgãos.
Efeitos na saúde materna
Mas por que essas células persistem no corpo da mãe? Os estudos conduzidos por Amy Boddy da Universidade da Califórnia, Santa Bárbara, sugerem algumas hipóteses fascinantes. Uma teoria é que essas células podem ter um papel no reparo do tecido materno. Células fetais foram identificadas em locais de inflamação da pele e outras áreas danificadas, sugerindo um possível papel “terapêutico”.

Pesquisas mostram que as células fetais também podem influenciar a produção de leite materno, sinalizando ao corpo quando e quanto leite produzir durante a amamentação. Além disso, há a hipótese de que eles podem ter um papel protetor contra certas doenças, incluindo certos tipos de câncer. Um estudo dinamarquês agora, um estudo de uma década mostrou uma taxa de mortalidade ainda menor em mulheres que apresentam microquimerismo fetal.
Por outro lado, a ciência também identificou possíveis correlações entre o microquimerismo fetal e algumas doenças autoimunes. Esse dualismo entre efeitos protetores e potencialmente nocivos continua sendo um dos aspectos mais intrigantes desse fenômeno, que requer mais pesquisas.
Vínculo materno, muito além do vínculo afetivo
Os efeitos do microquimerismo fetal vão muito além do aspecto físico: eles também poderiam influenciar o cérebro materno. Algumas pesquisas descobriram células fetais concentradas no hipocampo e nos lobos parietal e temporal do córtex pré-frontal, áreas associadas à compreensão, memória e percepção. Isso pode ajudar a explicar o profundo vínculo emocional que se desenvolve entre mãe e filho.
É impressionante pensar que num estudo DNA masculino encontrado no cérebro de mulher que morreu aos 94 anos, provável evidência da presença persistente das células da criança.
Esta descoberta científica acrescenta um novo nível de compreensão ao vínculo mãe-filho, que não é apenas emocional ou psicológico, mas tem raízes profundamente biológicas. Não dizemos mais simplesmente “as crianças são parte de nós” em um sentido metafórico: é literalmente verdade, em um nível celular.
O microquimerismo fetal representa, portanto, mais uma confirmação da singularidade da experiência materna e da profundidade do vínculo criado entre uma mãe e seus filhos. Um vínculo que, como mostra a ciência, vai muito além dos nove meses de gravidez, transformando o corpo da mãe para sempre.