134 anos se passaram desde a Rerum Novarum Leo XIII, a encíclica que respondeu à primeira revolução industrial reafirmando a dignidade do trabalho humano. Hoje, com a inteligência artificial que poderá substituir não só as armas mas também as mentes, seu “herdeiro ideológico”, Leão XIV, pretende defender esses valores. Robert Prevost, um matemático e também um homem religioso, traz ao trono papal uma rara sensibilidade em relação à tecnologia: nem tecnofobia nem tecnofilia acrítica, mas a consciência de que os algoritmos podem ser instrumentos de liberdade ou opressão.
“A inteligência artificial traz novos desafios para a defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho”, declarou Leão XIV em seu primeiro encontro com os cardeais. Palavras que anunciam um pontificado na vanguarda da revolução digital.
Leão XIV e o desafio ético na era dos algoritmos
A escolha do nome Leo, como a mídia nos deu a conhecer de todas as formas, não é uma coincidência para o primeiro Papa americano da história. Com este gesto simbólico, ele traçou um claro paralelo entre a primeira revolução industrial enfrentado por Leão XIII e o (muito) perto revolução digital. Se a Rerum Novarum de 1891 colocou o dignidade do trabalho numa era de exploração, hoje a hipótese “Rerum Digitalium” poderia representar a bússola ética na era da automação e dos algoritmos.
A abordagem de Leão XIV está alinhada com a de seu antecessor. Papa Francesco já tinha chamado a atenção para estas questões, em particular durante o seu discurso histórico no G7, em Junho de 2024, onde um aviso inequívoco foi emitido:“A humanidade não tem esperança se depender da escolha das máquinas.” Francisco destacou que nenhuma inovação acaba sendo neutra, porque toda tecnologia traz consigo uma visão de mundo e uma estrutura de poder.

Uma ponte entre a fé e a ciência
O caminho de Leão XIV parece quase predestinado para esta tarefa: licenciatura em matemática antes de entrar para a ordem agostiniana, experiência pastoral entre a América do Norte e a América do Sul e uma sensibilidade particular para questões sociais. Essa formação interdisciplinar lhe permite falar com autoridade sobre tecnologia sem ceder ao entusiasmo fácil ou à condenação a priori.
Nessa jornada, o Pontífice pode contar com figuras que já traçaram caminhos importantes no diálogo entre ética e inteligência artificial. Dentre elas, destacam-se: Padre paolo benanti, franciscano e engenheiro, nomeado pelo governo italiano como presidente da Comissão de Inteligência Artificial e consultor do Vaticano para questões digitais. Benanti também faz parte da Comissão de Ética Digital da ONU, representando a ponte entre religião e tecnologia que Leão XIV parece querer fortalecer. Ele terá sucesso?
Leão XIV e o caminho (difícil) para um “novo humanismo digital”
A visão que poderia emergir do pontificado de Leão XIV está orientada para o que alguns comentadores definiram como um “novo humanismo digital”. Não se trata de rejeitar a inovação tecnológica, mas de orientá-la para um modelo de desenvolvimento que coloque a pessoa humana, a cooperação global e a sustentabilidade no centro.
O maior risco que o Pontífice prevê é o de uma dependência excessiva dos meios de inteligência artificial, que “poderia reduzir a capacidade humana de decisão autónoma e de ação responsável”. Um receio já expresso na nota do Vaticano Antiqua et Nova, publicado em janeiro de 2025, que enfatizou que a dignidade humana não pode ser reduzida a um conjunto de dados.
Os desafios concretos
Em nossa vida cotidiana, a inteligência artificial já levanta questões éticas urgentes: quem é responsável quando um algoritmo discrimina ou prejudica alguém? Como proteger os trabalhadores substituídos pela automação? Como garantir que decisões cruciais permaneçam sob controle humano?
Leão XIV parece particularmente atento a essa dimensão concreta, afastando-se das discussões teóricas para tocar o cerne das preocupações das pessoas comuns. Em uma era em que a IA pode demitir, contratar ou excluir indivíduos, torna-se essencial estabelecer limites éticos claros e reafirmar a primazia do humano.
O desafio que o Papa lança não é apenas pastoral, mas profundamente político no sentido mais nobre do termo: um chamado a repensar os fundamentos da justiça social na era digital, onde a tecnologia é um instrumento de libertação e não de opressão. É um caminho, você sabe, muito complicado e nada óbvio: um projeto mais fadado ao fracasso do que ao sucesso. Veremos se o matemático nascido em Chicago, que se tornou herdeiro de Peter, conseguirá pavimentar ao menos uma parte dela, porque talvez nunca antes a religião tenha sido capaz de representar um contrapeso tão importante à desumanidade, mesmo para aqueles que não acreditam.