Houve um momento específico, entre 2007 e 2015, em que os eletrônicos perderam a cor. Não aconteceu de uma só vez. Primeiro, os botões coloridos desapareceram. Depois, as formas curvas. Depois, os LEDs azuis encarando você de todos os cantos da sua mesa. No final, ficamos com retângulos pretos e cinzas, superfícies planas, designs tão "limpos" que pareciam esterilizados. Design industrial com estilo. Memphis dos anos 80, com seus triângulos fúcsia e linhas absurdas, hoje parece de outro planeta. Mas talvez seja o contrário: talvez estejamos vivendo em um futuro mais pobre. Mais chato. Mais sem graça. O que você acha?
Quando tudo tinha um rosto
Os anos 80 foram um carnaval. O design industrial de eletrônicos de consumo era uma celebração do plástico colorido, dos botões salientes e das formas que desafiavam a geometria euclidiana. Ettore Sottsass (três prêmios Compasso d'Oro, sim, três) fundou o grupo Memphis em 1981 com uma ideia simples: minimalismo era chato. O que faltava eram cores vibrantes, formas geométricas ousadas e materiais "ruins" como laminado plástico, elevados à dignidade estética. Seus móveis pareciam ter sido construídos por uma criança após uma farra de doces. E funcionou.
Enquanto isso, na Itália, Olivetti Produziu máquinas de escrever e computadores que eram obras de arte. A Valentine de Ettore Sottsass (ele de novo), de 1969, era vermelha como uma Ferrari. Portátil. Icônica. Uma máquina de escrever que gritava sua presença. Divisão 18 di Mario Bellini, uma calculadora de 1973, tinha um teclado de borracha macia que parecia orgânico. Esses objetos não queriam desaparecer. Eles queriam ser vistos.
Nos anos 90, chegou a transparência. AiMac G3 de 1998, o turquesa com a parte traseira transparente, dizia: “Olhem para mim. Sou feito de circuitos e plástico colorido. Não tenho medo de mostrar isso.” Os consoles PlayStation eram cinzas, mas com formas esculturaisOs celulares Nokia tinham capas intercambiáveis. Você podia ter um celular diferente a cada semana, se quisesse. desenho industrial Era uma promessa: este objeto tem personalidade. E ao usá-lo, você tem ainda mais. E depois?
Então veio o preto
O 2007 Marca, como mencionado, o momento decisivo. Steve Jobs sobe ao palco na Macworld e apresenta o iPhone. Retângulo preto. Tela. Um único botão. Fim. O design industrial se torna uma subtração matemática: remova botões, remova espessura, remova cor, remova textura. O que resta é a "elegância", o monólito negro de Uma Odisseia no Espaço. E, de repente, de indivíduos com personalidade, imediatamente parecemos os macacos que a cercam: porque essa elegância também significa anonimato. O iPhone funcionou tão bem que todos o copiaram. Não os recursos, mas a estética. O dogma se tornou: se você quer ter uma aparência premium, precisa parecer invisível.
em 2019 Don Norman e Bruce Tognazzini, dois gurus do design que ajudaram a criar as diretrizes da Apple nos anos 80, eles publicaram um artigo devastador. Título: Como a Apple está dando má fama ao designAcusaram a empresa de privilegiar a estética minimalista em detrimento da usabilidade. Ícones indistinguíveis. Funções escondidas atrás de menus invisíveis. O "vírus do minimalismo" havia infectado tudo. Mas era tarde demais.
E não foi só a Apple. O Google lançou projeto de material em 2014: superfícies planas, cores primárias, sombras mínimas. A Microsoft seguiu com Design FluenteTodos se dedicavam à mesma coisa: simplicidade absoluta. O problema é que a simplicidade, levada ao extremo, se transforma em uniformidade. Pegue um smartphone de 2025. Tire-o da caixa. Sem o logotipo, não dá para saber se é Samsung, Xiaomi, Oppo ou Apple. O mesmo retângulo de vidro. As mesmas bordas finas. A mesma tela que ocupa 95% da superfície. desenho industrial virou uma competição para ver quem consegue ser o mais neutro.
A Ciência do Minimalismo (e Seus Limites)
O minimalismo tem uma base científica sólida. Um estudo de 2023 publicado no ResearchGate Isso mostra que produtos com design minimalista são percebidos como mais fáceis de usar, mais confiáveis e mais "autênticos". Os consumidores preferem interfaces limpas porque exigem menos esforço cognitivo. É verdade. Mas há um “mas”.
Uma pesquisa do Journal of Consumer Research de 2022 Ele analisou o "minimalismo do consumidor" identificando três dimensões: um pequeno número de posses, uma estética espartana e consumo consciente. A questão é que o minimalismo funciona quando é uma escolha pessoal. Quando se torna a única opção no mercado, ele se torna padronizado. Não é mais "menos é mais". É "menos é tudo o que você tem".
Vamos pegar os laptops. Nos anos 90 você tinha o ThinkPad quadrados pretos, os Powerbook branco elegante, os laptops Toshiba Prateados com telas giratórias. Hoje? MacBook cinza-espacial, Dell XPS prateado, ThinkPad preto. Meu Alienware Aurora é azul-escuro, mas estamos perto. Fim. As diferenças são milimétricas. Literalmente: são medidas em milímetros de espessura e gramas de peso. Todo o resto é idêntico. Teclado chiclet. Trackpad grande. Molduras finas. O design industrial foi reduzido a um exercício de otimização, não de expressão.
A história do design industrial italiano: quando éramos mestres
A Itália tinha uma relação especial com o desenho industrial. Não era apenas estética, era filosofia. Achille Castiglioni lâmpadas projetadas como a arco (1962) que eram esculturas funcionais. Gio ponti criou o Super leve (1957), uma cadeira que pesava menos de dois quilos, mas podia suportar 200 quilos. Marco Zanuso e Richard Sapper eles projetaram o rádio TS 502 para a Brionvega em 1964: um cubo laranja que se abria como um livro. Não queria ser discreto. Queria chamar a atenção. Era simplesmente maravilhoso, e ainda hoje sou loucamente apaixonado por ele.
Até mesmo em eletrônicos de consumo. A máquina de café. Gaggia "Carezza", de 1997, tinha formas suaves e cores pastéis. Não era "profissional". Era doméstico, acolhedor, humano. Máquinas de café expresso italianas dos anos 90 Eram obras de arte cromadas, não utensílios de cozinha. Então veio a globalização. E com ela, a padronização. Empresas italianas começaram a copiar a linguagem minimalista alemã e o estilo tecnológico californiano. O resultado: perderam a voz.
Hoje Jony Ive, o ex-chefe de design da Apple, admite que “a indústria tecnológica carece de alegria”Palavras dele. O homem que projetou o iPhone, o símbolo supremo do minimalismo, diz que talvez tenhamos ido longe demais. Que a tecnologia deveria nos fazer felizes, não apenas eficientes. Ele é um pouco como aquele colega que, após anos de dieta rigorosa, admite: "Talvez um croissant de vez em quando não faça mal." Apostamos que ele vai inventar outra coisa invisível para a OpenAI? Obviamente, espero perder.
Design Industrial “Plano”: O Custo Oculto da Uniformidade
Há um problema prático nisso tudo. Quando todos os produtos parecem iguais, como escolher? Em 1998, você comprava um iMac porque ele era turquesa e transparente. Hoje, você compra um iPhone porque... todo mundo compra um iPhone. desenho industrial Tinha uma função de marketing: diferenciar. Tornar um produto reconhecível. Criar afeição. Um retângulo preto não cria afeição. Cria indiferença.
Os fabricantes sabem disso. É por isso que eles promovem "serviços" e "ecossistemas". Não é possível diferenciar um telefone do outro apenas olhando para ele, então vinculamos você ao iCloud, ao Google Fotos e à Samsung Galaxy Store. O produto físico se tornou um pretexto para vender assinaturas. O design perde importância porque o produto em si perde importância. O que importa é a plataforma.
Mas também há um custo emocional. Os objetos que usamos todos os dias dizem algo sobre nós. Um rádio de Memphis dos anos 80 dizia: "Sou excêntrico, gosto de ousar". Um PowerBook branco de 2000 dizia: "Sou criativo, penso diferente". Um iPhone preto de 2025 diz: "Eu existo". Isso não é pouca coisa. Mas também não é grande coisa. A relação entre pessoas e objetos esfriou. Eles são ferramentas, não companheiros. Eficientes, claro. Mas também terrivelmente frios. Talvez isso seja bom, porque esse anonimato promove o distanciamento da tecnologia? Mostre-me o que está acontecendo; eu não vejo esse distanciamento. A tecnologia nos controla, e nós nem mesmo controlamos a expressão pessoal de seu uso.
As cores retornarão?
Há alguns sinais. A Apple revelou o “Liquid Glass” em 2025, uma nova linguagem de design que reintroduz transparência, fluidez e um toque de cor. Não é uma revolução, mas é um avanço. Alguns fabricantes de fones de ouvido e alto-falantes Bluetooth estão retornando a formas esculturais e cores vibrantes. É pouco, mas já é alguma coisa. O mercado de jogos retrô explodiu justamente porque as pessoas sentem nostalgia de consoles que pareciam brinquedos, não monolitos pretos.


O problema é cultural. O design industrial em 2025 deve confrontar-se consigo mesmo Sustentabilidade, digitalização, personalização em massa. Coisas sérias. Mas talvez também haja espaço para um pouco de leveza. Não precisamos de formas absurdas ou cores psicodélicas. Bastaria que um celular não parecesse um clone de todos os outros. Se um laptop tivesse uma alça, como os antigos iMacs. Se uma TV não fosse apenas uma tela preta em um suporte preto.
Il desenho industrial Ele não morreu de velhice. Ele foi morto pela crença de que a elegância coincide com a ausência. Que o melhor design é invisível. Mas talvez tenhamos confundido invisibilidade com inexistência. Um objeto pode ser discreto sem ser anônimo. Pode ser simples sem ser banal. Pode ser funcional sem ser frio.
Memphis tinha um lema: "O design deve fazer você sorrir". Não é uma filosofia sofisticada. Mas é honesta. E talvez, em um mundo de retângulos cinzas, seja exatamente disso que precisamos. Um pouco de cor. Um pouco de loucura. Um pouco de vida. O minimalismo venceu a batalha.
Mas isso não significa que ele tenha que vencer a guerra.