Há uma pequena revolução em curso no mundo da química, e o seu epicentro é um laboratório da Universidade de Wisconsin-Madison. Aqui, uma equipa de cientistas fez uma descoberta que poderá mudar para sempre a forma como produzimos analgésicos (e muito mais), combustíveis e uma série de outros produtos essenciais. Sua intuição? Utilize a madeira das árvores, principalmente dos choupos, como matéria-prima para substâncias de alto valor como o paracetamol.
Isso não é tudo: seu processo químico inovador também permite a obtenção de corantes, adesivos, plásticos biodegradáveis e muito mais a partir da madeira. Um avanço que promete tornar estes produtos mais baratos, mais ecológicos e menos dependentes do petróleo. E que poderá dar novo fôlego à produção de biocombustíveis, tornando-os finalmente competitivos com os combustíveis fósseis.
Do óleo ao choupo: uma nova fonte de paracetamol
O paracetamol, também conhecido como acetaminofeno, é um dos medicamentos mais utilizados no mundo. Tem um valor de mercado global de aproximadamente US$ 130 milhões por ano. É o ingrediente ativo subjacente a medicamentos amplamente difundidos como Tachipirina, Efferalgan, Tachiflu, Zerinol, Neoborocillina e, no exterior, Tylenol.
Desde a sua introdução (no início de 900), esta droga tem sido tradicionalmente produzida a partir de alcatrão de carvão ou derivados de petróleo. em 2019, o primeiro sinal: Steven Karlen e João Ralf, respectivamente pesquisador e professor de bioquímica da Universidade de Wisconsin-Madison, mostraram como o paracetamol poderia ser obtido a partir de um composto presente nos choupos, com uma reação química conhecida.
Agora, a equipa de Karlen melhorou o processo para produzir paracetamol e outros analgésicos, pigmentos, tecidos e plásticos biodegradáveis com um valor de mercado acumulado superior a 1,5 mil milhões de euros. Vou linkar a pesquisa aqui.
Um portfólio de produtos que, segundo Karlen, poderia suportar dezenas de pequenas biorrefinarias fluindo para centros maiores, sem saturar o mercado.
Mais uma vez a lignina é a protagonista: uma mina de compostos preciosos
A chave para esta inovação reside na lignina, a parte da parede celular que une os açúcares das plantas e fornece estrutura. Lignina, já estudada para a produção de baterias revolucionárias, é rico em compostos aromáticos valiosos que poderiam substituir muitos produtos petroquímicos e fornecer às biorrefinarias fluxos de receitas adicionais para tornar os combustíveis à base de plantas competitivos em termos de custos.
O desafio? Divida a cadeia complexa e irregular de moléculas em componentes úteis. E agora descobrimos que o p-hidroxibenzoato (pHB), um composto semelhante ao paracetamol encontrado na lignina do choupo, é relativamente fácil de obter com tratamento químico.
De uma árvore analgésicos e possibilidades
Embora a descoberta inicial tenha mostrado que era quimicamente possível transformar o pHB em paracetamol, também é verdade que o processo não converteu matéria-prima suficiente no produto final.
Agora, o pesquisador Vitaly Tymokhin descobriram que o tratamento da biomassa do choupo com um método diferente (e mais barato) converte quase todo o pHB em outro produto químico que pode então ser transformado em paracetamol ou em uma molécula menos valiosa com outras aplicações.
Você pode fazer analgésicos, corantes como tinta preta, polímeros que podem ser usados em tecidos ou materiais, convertê-los em adesivos ou coisas assim. Tem um mercado enorme e um ótimo valor.
Ao reciclar o produto que não reagiu através de um reator contínuo, os cientistas conseguiram converter 90% da matéria-prima em paracetamol, que extraíram usando um método mais econômico do que as técnicas tradicionais de purificação. Karlen diz que deveria ser possível atingir o rendimento de 99%.
O processo de obtenção de analgésicos e muito mais dos choupos: verdes e industrializáveis
O processo é principalmente à base de água, depende de solventes verdes e é contínuo em vez de em lote, o que o torna ideal para aplicações industriais. Por esta razão, já está em processo de patenteamento pela Wisconsin Alumni Research Foundation, a organização sem fins lucrativos que comercializa descobertas universitárias para apoiar pesquisas em andamento.
O que isso significa? Significa que poderemos ver em breve o nascimento de uma nova geração de pequenas biorrefinarias capazes de transformar madeira numa infinidade de produtos valiosos, criando novos empregos e oportunidades económicas, especialmente nas zonas rurais e florestais.
Analgésicos no centro de um novo e delicado equilíbrio verde
O choupo é uma árvore com características especiais que o colocam no centro de muitas utilizações. Das fibras têxteis ao mobiliário, da pasta de madeira ao sequestro de CO2. Cresce um metro por ano, pode ter uma rotação rápida e não corremos o risco de acelerar o desmatamento usando-o também para analgésicos.
Claro, o caminho ainda é longo e não está isento de obstáculos. Serão necessários investimentos, políticas clarividentes e colaboração entre a investigação, a indústria e o governo para transformar esta descoberta promissora numa realidade generalizada e acessível a todos.
O passo dado pelos investigadores da Universidade de Wisconsin-Madison parece apontar na direcção certa: a de um mundo em que a química verde já não seja uma excepção, mas sim a regra. E haverá dor por causa do petróleo.