Tatuagens e decalques transferíveis são uma parte querida da minha infância. Quem da minha idade ainda se lembra de quantos “Transferelli” poderíamos colocar no papel para inventar cenários e aventuras. Mais tarde a senha era “R41”, as transferências serviam para rotular as coisas. Hoje a técnica vive novamente em sintonia com a tecnologia. A era da eletrônica comestível se aproxima graças aos desenvolvimentos de um projeto do IIT liderado por Giorgio Bonacchini.
Esses componentes agora são usados para criar tatuagens inteligentes que atendem a diversas aplicações. Um deles, completamente emergente e muito interessante, é a eletrônica comestível. As “transferências” agora consistem em uma fina película de polímero de etilcelulose fixada a uma folha de papel por uma camada de amido ou dextrina solúvel em água.
Colocar “Transferelli” (desculpe, não posso chamá-los de outra forma) em água dissolve a camada de dextrina, permitindo que a folha seja “transferida” para a pele humana ou outros objetos. Imagens e texto podem ser impressos simplesmente usando uma impressora jato de tinta comum.
Eletrônicos comestíveis
Foi esta combinação que despertou a imaginação num estudo noInstituto Italiano de Tecnologia em Gênova (IIT), com Jorge Bonacchini como primeiro autor. A equipe é liderada pelo Dr. Mario Caironi, detentor de uma bolsa de prestígio (ERC Consolidator) destinada a desenvolver ainda mais o campo da eletrônica comestível.
A equipe recentemente usou a tecnologia para imprimir eletrônicos comestíveis em papel de transferência. Ele então testou os circuitos eletrônicos e os transferiu para itens comestíveis, como pílulas farmacêuticas e frutas.
Dispositivos eletrônicos que operam dentro do trato digestivo não são nada novos. Por muitos anos, os profissionais médicos têm estudado as chamadas pílulas inteligentes contendo dispositivos (por exemplo, estes microsseringas ingeríveis, que distribuem o medicamento com mais precisão). Até agora aparelhos feitos exclusivamente com componentes à base de silício, que são caros e inflexíveis.
A equipe italiana usou impressão a jato de tinta para criar circuitos eletrônicos em papel transfer.
A primeira pergunta é fácil: é biocompatível?
Temos que ingerir, é importante saber. Caironi e colegas apontam que o filme de etilcelulose há muito é usado como revestimento comestível, inclusive em pílulas farmacêuticas.
Mas os circuitos também possuem outros componentes. Por exemplo, os transistores contêm materiais metálicos. Um único transistor requer apenas 4 microgramas de prata, portanto, circuitos simples devem conter bem abaixo do limite diário de prata das pessoas. Impresso em micropartículas deverá ser biocompatível conforme pesquisas já realizadas. Dos outros quatro polímeros semicondutores utilizados pela equipe, dois são biocompatíveis, P3HT e poliestireno, e dois ainda não testados, 29-DPP-TVT e P(NDI2OD-T2).
Embora sejam usados em quantidades de picogramas, eles ainda levantam questões óbvias sobre o quão seguros são. Caironi, Bonacchini e colegas sabem disso e assumem a tarefa de avaliar como os polímeros interagem com o corpo humano. Os resultados têm sido positivos até agora, mas mais pesquisas são necessárias.
A equipe usa esses materiais para imprimir uma variedade de transistores orgânicos e inversores lógicos em papel de transferência e, em seguida, testar suas propriedades.
Novos desafios para eletrônicos comestíveis
Existem outras verificações a serem feitas, além das de biocompatibilidade. Por exemplo, o processo de transferência expõe os circuitos ao ar, luz e água, o que pode comprometer parcialmente os circuitos. A equipe conseguiu mitigar esse efeito misturando polímeros e semicondutores. A estabilidade ainda é variável, mas os primeiros passos em direção à eletrônica comestível são mais do que encorajadores.
“Este resultado abre caminho para a criação de circuitos complementares robustos”, afirmam os pesquisadores. “Este sistema fornece uma plataforma simples e versátil para a integração de circuitos orgânicos totalmente impressos em alimentos e medicamentos.”
As aplicações possíveis são muitas
Para mim, este é um trabalho emocionante. Esses circuitos poderiam monitorar instantaneamente o grau de maturação de uma fruta ou a comestibilidade e perecibilidade de alimentos e produtos. Seria um golpe mortal para o desperdício de alimentos. A eletrônica comestível também poderia permitir a entrega de medicamentos de maneiras mais direcionadas, ou análises de vários tipos diretamente no sistema digestivo.
É claro que ainda há muito trabalho a ser feito, principalmente nas baterias comestíveis que deverão fornecer energia para esse tipo de circuito. Eles provavelmente poderiam ser alimentados por sistemas de energia piezoelétrica que geram energia a partir do movimento do corpo, ou mesmo do som. Em qualquer caso, como mencionado, é um grande passo em frente para o futuro da electrónica comestível e impressa, bem como para a rastreabilidade dos produtos e a transparência da cadeia de abastecimento.