Durante meio século, a fusão nuclear apresentou-se como a fronteira definitiva da energia, um horizonte de esperança e inovação. Neste caminho, feito de enormes progressos e igualmente de muitos desafios, a comunidade científica tem tido que lidar com a dificuldade de tornar controlável e sustentável um processo que, se por um lado é teoricamente simples, por outro se revela extremamente complexo na prática. Onde estamos REALMENTE?
Fascínio e dificuldade da energia de fusão nuclear
O conceito de fusão nuclear, que envolve a combinação de núcleos atômicos leves para formar núcleos mais pesados, liberando energia, fascina os cientistas desde a sua concepção. Esta tecnologia promete replicar o processo que alimenta o Sol e as estrelas, oferecendo uma fonte de energia praticamente ilimitada e limpa. Contudo, o caminho para transformar esta teoria numa realidade tangível revelou-se mais tortuoso do que o esperado.
O principal obstáculo à realização da fusão nuclear é a criação de um ambiente que possa conter e controlar a reação. A fusão requer temperaturas extremamente elevadas, da ordem de milhões de graus, o que torna difícil manter a reação estável e controlada. Além disso, o processo deve produzir mais energia do que a consumida para acioná-lo, condição conhecida como “ponto de equilíbrio”.
Já conseguimos isso? Sim. Recentemente, em 2022, na National Ignition Facility, nos EUA. Talvez, depois de décadas, este tenha sido o verdadeiro primeiro ponto de viragem.
Duas abordagens principais: confinamento inercial e magnético
Atualmente, existem dois métodos principais para tentar obter energia de fusão nuclear controlada: confinamento inercial e confinamento magnético.
Confinamento Inercial
O confinamento inercial é um método que visa alcançar a fusão nuclear através do uso de uma fonte de energia intensa, como poderosos lasers ou feixes de partículas, que é focada em um alvo pequeno, normalmente uma cápsula contendo o combustível de fusão (hidrogênio). A ideia é comprimir e aquecer rapidamente o combustível a uma temperatura e pressão tão altas que os núcleos atômicos se fundam, liberando energia. Este processo ocorre num período de tempo muito curto, daí o termo “inercial”, uma vez que a reacção deve completar-se antes que o combustível possa expandir-se e arrefecer.
Confinamento Magnético
O confinamento magnético, por outro lado, utiliza campos magnéticos poderosos para conter e controlar um plasma de hidrogênio quente. O plasma é essencialmente um gás de partículas carregadas (íons e elétrons) em temperaturas extremamente altas, necessárias para a fusão. Os campos magnéticos servem para manter o plasma estável e afastado das paredes do reator, pois em contato com materiais sólidos o plasma esfriaria e a reação de fusão pararia. Este método depende do controle constante e prolongado do plasma para apoiar a reação e produzir energia de fusão nuclear.
O roteiro
70 anos de energia nuclear ainda não são suficientes. Desde 1954, ano em que a central de fissão de Obninsk, na União Soviética, se tornou a primeira central nuclear do mundo (produzindo cerca de 5 MW de electricidade), o progresso e os retrocessos continuaram a um ritmo constante. Exceto nos últimos anos. Em suma, este é o panorama recente e as previsões atualizadas.
- 2007: Iniciando o Projeto ITER, um reator de fusão nuclear, com o primeiro objetivo de construir a primeira central nuclear de fusão até 2025.
- 2022: anúncio do experimento na Califórnia que produziu energia a partir da fusão nuclear.
- 2023: Cientistas europeus do laboratório JET alcançar resultados significativos, aproximando a fusão nuclear da realidade.
- 2024: A Itália, através da ENEA, também participa em experiências de energia de fusão nuclear (como o novo reactor começou no Japão), contribuindo para os esforços de investigação nesta área.
- 2035: Previsão do início das primeiras operações com deutério e trítio no âmbito do projeto ITER.
- 2040: Previsão para a construção de uma usina “primeira do tipo”.
Na verdade, estamos a 15-20 anos da primeira central eléctrica de fusão nuclear. Estas não são estimativas pessimistas, pelo contrário. Talvez sejam demasiado optimistas: a gestão do plasma em confinamento magnético e a criação de um ambiente estável para a fusão continuam a ser tarefas difíceis.
E todos os projetos (incluindo o ITER, que será o primeiro “dinossauro” do setor) enfrentaram problemas de gestão e custos inesperados.
O futuro da fusão nuclear
Alguns especialistas continuam optimistas, outros são mais cautelosos, mas todos têm uma coisa em comum: a atractividade da energia limpa e quase ilimitada continuará a impulsionar a investigação neste domínio.
A energia de fusão nuclear representa uma aposta de dentro para fora no futuro da tecnologia energética. Com a combinação certa de investimento, investigação e inovação, poderá superar os obstáculos actuais e tornar-se a fonte de energia mundial. A história da ciência está repleta de desafios que pareciam intransponíveis e que foram superados graças à genialidade humana e à persistência na pesquisa. A fusão nuclear poderia seguir este modelo, passando de um sonho a uma realidade tangível, com um impacto profundo e duradouro na humanidade e no nosso planeta.
Estamos todos torcendo por ela, mesmo aqueles que dizem o contrário.